COM ANA MARIA TODOS, TUDO E SEMPRE EM MISSÃO

Coimbra, 26 de janeiro 2019

Ano Missionário

Conforme a Nota Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa “Todos, Tudo e Sempre em Missão”, o Ano Missionário (2018-Outubro-2019) é uma proposta dos Bispos portugueses.

Há 99 anos o Papa bento XV publicou a Carta Apostólica Maximum Illud (Grande e Sublime missão) onde afirma a necessidade de cuidar do zelo missionário a todos os níveis; missionários bem preparados e motivados que cuidassem de formar comunidades cristãs com capacidade de testemunho da sua fé e assim Deus possa chamar novos sacerdotes naturais dessas missões em terras longínquas da Europa. Atualmente a “periferia” não é em terras longínquas da Europa, mas uma realidade bem próxima de todos.

O Papa Francisco declarou o mês de outubro de 2019 como um Mês Missionário Extraordinário. Os Bispos portugueses acolheram a iniciativa propondo que “esse mês seja como etapa final de um Ano Missionário em todas as nossas Dioceses”.

Aqui estamos no tempo certo da preparação e consequente vivência do Ano Missionário, propondo alguns objetivos. É bom que corresponda a um ano de crescimento na Fé, crescimento de zelo apostólico, na oração, dedicação pastoral e novas experiências de missão.

Este Ano Missionário poderá ser decisivo para intensificarmos a nossa espiritualidade missionária, fundada no carisma de Ana Maria e testada ao longo de mais de século na vida da Igreja. Pareceu-me por isso, assumir para a reflexão desta manhã, a companhia da Madre Javouhey de modo a entrarmos mais profundamente nos desafios lançados pelo Santo Padre Francisco e pelos nossos Bispos: Com Ana Maria, todos, tudo e sempre em missão!

Todos – A missão a que somos chamados e que enraíza na graça do Batismo que recebemos e que nos habilitou para a vocação sacerdotal, profética e real, isto é, para uma identificação total com Cristo, é tarefa de

Todos. Não se trata de um convite para alguns iluminados ou para os especialistas na matéria, mas de uma verdadeira vocação comum para o anúncio do Evangelho e sua concretização no mundo.

Tudo – Este tudo, indica-nos que realidade alguma está fora do alcance deste anúncio do Evangelho. Obriga-nos a um êxodo permanente, a uma saída das zonas de conforto, onde corremos sempre o risco da paralisia míope ou, dito de outro modo, de apanharmos a doença do bolor dos acomodados. Tudo em nós – na vida pessoal e comunitária – deve estar ao serviço da missão de tornar Deus presente e vivo no mundo, em todas as realidades humanas, mesmo naquelas onde não nos querem ou não somos desejados. Seremos assim uma Igreja em saída, sem medo do mundo, sem medo do homem, sem medo da missão.

Sempre – Este sempre apela e desafia-nos à perseverança. Não há missão sem perseverança. Uma perseverança que parte da constância da fé e da certeza que renascemos para uma esperança viva pela ressurreição de Jesus. É a vida nova da Páscoa que nos impele a estarmos permanentemente disponíveis para oportuna e inoportunamente anunciarmos o Evangelho, como já advertia o Apóstolo Paulo a Timóteo. E o Papa Francisco, na Alegria do Evangelho diz-nos isto por outras palavras que nos esclarecem: “É preciso considerarmo-nos como que marcados a fogo por esta missão de iluminar, abençoar, vivificar, levantar, curar, libertar. Nisto se revela a enfermeira autêntica, o professor autêntico, o político autêntico, aqueles que decidiram, no mais íntimo do seu ser, estar com os outros e ser para os outros” (EG 273).

Ana Maria: a mulher do Todos, Tudo e Sempre em Missão

Poderíamos perguntar onde é que Ana Maria vai buscar a sabedoria, a ousadia e a audácia para a sua ação missionária? Que método terá descoberto para concretizar este Todos, tudo e sempre em Missão?

Antes de mais na força da fé que nela é convicção profunda da presença de Deus na sua vida e na vida do mundo. Uma fé que gera um novo olhar sobre as pessoas que encontra, independentemente da raça, cor, religião ou cultura. Vai assim muito à frente do seu tempo, vivendo uma relação com o Senhor que a faz sair, numa atualização surpreendente do Evangelho, manifestando uma Igreja em saída, que não hesita em montar hospitais de campanha par acurar os feridos da vida e os esquecidos do mundo. Uma fé que gera um olhar sempre novo e criativo, afinal, o olhar de Jesus sobre as multidões. Diz Ela na carta que dirige ao pai a partir do Senegal: «O pai

nunca poderá fazer ideia do que é esta região: a população é demasiada para o espaço; em todas as ruas há tanto ou mais gente do que em Paris na rua Saint – Honoré e acredite que lá não há pouca. Parecem-me todos de luto tão escura é a sua pele. Sinto um desejo imenso de trabalhar para os fazer felizes; se soubesse como até agora tão poucos meios se empregaram para atingir este nobre fim. Vou começar com muito poucas coisas, mas a firme esperança de conseguir dá-me coragem (…)»1

Esta fé, manifesta-se na busca constante da felicidade de todos, no dom total de si mesmo. É uma fé esclarecida quando diz: «Que fazer? Afirmar a nossa Fé mesmo pondo em risco a própria vida» .

Ana Maria sabe que tudo isso provém da busca constante da Santa Vontade de Deus: via nos acontecimentos esta vontade de Deus: «temos de nos submeter aos acontecimentos que nos transcendem e que nos mostram a Vontade de Deus» . Este raciocínio é constantemente usado por Ana Maria Javouhey: «a Sua Vontade manifesta-se através das circunstâncias em que nos encontramos sem as ter procurado» .

oração é, para Ana Maria a alma da missão: «meu Deus dai-me Fé, que ela me esclareça com a Vossa Luz divina e me conduza pelos caminhos que quereis que eu siga, ela será a minha força nas tribulações desta vida» .«rezemos, rezemos, o Senhor concede tudo à oração humilde» .
«Nunca deixem a oração, meditem junto à Cruz e assim receberão as luzes  que precisam para cumprir bem os vossos deveres» . São recomendações constantes da Madre Javouhey. Orar para conhecer a vontade de Deus.

Perdão: Veja-se a atitude da Madre fundadora para com as irmãs dissidentes de Boubon e a questão do Bispo de Autun: em tudo se manifesta um coração determinado e fiel à vontade de Deus. Mas também no que diz respeito à vida das irmãs, manifesta esta preocupação. As irmãs Chegaram à ilha de Bourbon a 28 de Junho de 1817. Mais tarde, Ana Javouhey responde à Irmã Maria José Varin, primeira superiora em Bourbon:

1 Ana Maria Javouhey. Correspondência 1798 – 1833, Vol. 1, p. 141. 2 Ana Maria Javouhey. Correspondência 1798 – 1833, Vol. 1, p. 522. 3 Ana Maria Javouhey. Correspondência 1798 – 1833, Vol. 1, p. 189. 4 Ana Maria Javouhey. Correspondência 1798 – 1833, Vol. 1, p. 548. 5 Ana Maria Javouhey. Correspondência 1798 – 1833, Vol. 1, p.190.
6 Ana Maria Javouhey. Correspondência 1843 – 1849, Vol. 3, p. 1594 7 Ana Maria Javouhey. Correspondência 1843 – 1849, Vol. 3, p. 1364.

«Estou morta por ir ter com as irmãs (…) Minhas queridas filhas, com que satisfação vejo que vivem em harmonia; receava que os vossos temperamentos não se dessem, mas foi o Amor de Deus que vos reuniu, por isso amem-se profundamente, perdoem-se reciprocamente os pequenos  defeitos (…)» .

Paciência que não é resignação, mas luta permanente por intuir em tudo a vontade de Deus de modo a poder concretizá-la. – «Quantas vezes, meu Deus, invoquei o vosso amparo, quando o suor corria da minha fronte e a angústia torturava o meu espírito. Levantastes as minhas forças abatidas, Vós ó meu Deus, fizestes com que os poderosos e os justos ouvissem a voz da humilde rapariguinha que, de tamancos nos pés, deixou a casa paterna para cumprir a missão que lhe havíeis destinado»9190.

ousadia: nada nem ninguém detém a Madre Javouhey nos confrontos da

Missão: «Um projeto humanitário de grande alcance exige que eu parta para a Guiana francesa. O senhor Ministro da Marinha quis confiar à Congregação das Irmãs de São José a missão de criar, nas margens do rio Maná, uma obra destinada a receber os negros confiscados por infração às leis que proíbem o tráfico de escravos. Aí estes infelizes deverão adquirir costumes cristãos, morais, profissionais para beneficiarem, com proveito para si próprios e para a sociedade, da libertação definitiva, que será concedida à maior parte deles em 1837 (…). A experiência que tenho das colónias e sobretudo da Guiana, levou o governo a desejar que me dedique pessoalmente à execução deste humanitário projeto e que eu própria me encarregue da fundação desta obra. A fé e o meu desejo de solucionar situações tão lamentáveis, levaram-me a aceitar com alegria

Ana Maria ensina-nos que a vocação missionária a que somos chamados é uma missão de ser e não de ter. Como membros de Cristo, cristãos com sentido de pertença à Igreja, concretizada nas nossas Dioceses (Paróquias, Comunidades e Movimentos) e nesta Família Cluny, somos constituídos discípulos missionários.

Ana Maria Javouhey. Correspondência 1798 – 1833, Vol. 1, pp. 98-99.
Ana Maria Javouhey. Correspondência 1833 – 1843, Vol. 2, pp. 790-791. 10 Ana Maria Javouhey. Correspondência 1833 – 1843, Vol. 2, p. 790

Conversão à vocação missionária

Não há conversão missionária sem conversão espiritual permanente dos agentes pastorais (cristãos comprometidos). Promovamos os tempos de oração individual e comunitária que sustentam o zelo e a alegria dos discípulos missionários; “Jesus quer evangelizadores que anunciem a Boa Nova não só com palavras, mas sobretudo com uma vida transfigurada pela presença de Deus” (EG 259)

Ninguém está sozinho na missão. Podemo-nos sentir sozinhos ou até experimentar a solidão naquilo que fazemos, mas a missão é participação na única Missão de Cristo; Ele que prometeu estar sempre connosco até ao fim dos tempos.

Na medida em que nos deixarmos transfigurar pela presença de Deus nas nossas vidas, estaremos a colaborar para que nos constitua mais fortemente na sua missão de ser um dom de luz e de sabor para a vida neste mundo e nesta terra, como foi Ana Maria. Cada um com o seu carisma e a sua habilitação, mas em comunhão e colaboração com todos.

O que está em causa é a renovação da Igreja a partir de dentro, a partir do Espírito e da missão que lhe está confiada. Tenhamos presente a palavra do Papa Francisco: “Espero que todas as comunidades se esforcem por atuar os meios necessários para avançar no caminho duma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão. Neste momento, não nos serve uma «simples administração». Constituamo-nos em «estado permanente de missão», em todas as regiões da terra” (EG 25).

Humildade e Coragem11

Um ano missionário com alguma novidade, requer humildade e coragem. Humildade, porque necessitamos da graça de Deus, do dinamismo do Espírito Santo, para darmos bons frutos. Coragem, porque não é possível reunir todas as condições para partir com segurança. Assim, a ousadia da missão fundamenta-se na confiança no Senhor Jesus; resulta de uma afirmação de fé e este é o desafio que temos pela frente.

A Palavra de Deus, e especialmente o Novo Testamento, reflete e fortalece em nós a Missão de Jesus. Contudo, além da Palavra de Deus, para este nosso caminho pastoral tenhamos presente, também, a Nota Pastoral dos Bispos portugueses para o Ano Missionário “Todos, Tudo e Sempre em  Cf. D. José Traquina, A missão de ser Luz do Mundo e Sal da Terra (2019).

Missão”, a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (Alegria do Evangelho) e a recente Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate (Alegrai-vos e Exultai) do Papa Francisco.

Que cristãos somos e qual é a nossa missão?

Em todos os tempos houve a necessidade dos missionários estarem bem preparados; sempre que alguém tem pela frente um grande desafio, tem de preparar-se para ele. A beleza e os frutos de um ano missionário não acontecem por decreto; acontecem por uma decisão individual assumida em comunhão com outros.

A preguiça, a rotina no apostolado, a falta de esperança, o desinteresse pelo bem comum, a falta de oração e o descuido pela vida espiritual, são facilidades para o demónio apagar nos cristãos a alegria da fé e a força do amor de Cristo.

Ninguém transformará positivamente nada neste mundo se primeiro não se transformar a si mesmo. Portanto, em vez de expostos ao fracasso, assumamos individualmente a responsabilidade do cuidado espiritual; só assim, apesar de frágeis, seremos cristãos com alma grande e teremos condições para assumir a vida como uma missão.

O testemunho dos Santos

Para a vivência do Ano Missionário, é-nos sugerido pela Nota Pastoral da CEP que tenhamos presente o testemunho dos Santos. Os santos são os nossos heróis, não porque fizeram tudo bem feito, mas porque se preocupavam em ser generosos, superando egoísmos, e ser fiéis na resposta à missão que assumiram na vida. São felizmente muitos estes testemunhos que podemos conhecer desde os inícios da Igreja até aos nossos dias. Ana Maria é, para nós um desses testemunhos eloquentes que nos estimula a um estilo missionário, com um ardor contagiante e uma ousadia destemida, podemos dizer com o Papa Francisco, uma “Evangelizadora com Espírito”. Com Ela e como Ela teremos de desbravar os novos horizontes da missão.

Deixo aqui um estímulo que podemos colher das palavras que escreveu às Irmãs de Mayotte, a 28 de fevereiro de 1846:

«Sintam-se sempre muito felizes porque estão a fazer a santa vontade de Deus, Ele nunca as abandonará nas misérias e contrariedades que possam encontrar. Estou convencida de que em toda a parte as Irmãs darão

sempre bom exemplo e nunca esquecem os grandes motivos que determinaram uma viagem tão difícil. Tenham em vista apenas a Glória de Deus e a Salvação das almas. Que todas as vossas ações tendam para este nobre objetivo e encontrarão nisso grandes consolações. Sejam delicadas, retas, amáveis com toda a gente para todos atrair para Jesus Cristo. Amem os pobres e sobretudo as crianças, dêem-lhes a conhecer Deus e a Sua Santa lei. Meu Deus, como as considero felizes! Compreendam bem a vossa vocação, estimulem-se, suavizem os sofrimentos das que os possam.

Como Família Cluny saibamos estar sempre «onde houver bem a fazer e ter. Sigam a Regra e ela lhes dará segurança e consolação» sofrimento a aliviar»

Pe. Joaquim Ganhão